A irrupção da imprensa transformou o negócio do livro, motivando a aparição de novas medidas de controlo. A Coroa, com a pragmática dos Reis Católicos em 1502, já requeria a licença real prévia e tinha estabelecido o preço do livro com taxas. A Igreja, por sua parte, garantia a adequação dos textos à moral católica com a censura inquisitorial, que começou com um decreto promulgado pelo pontífice valenciano Alexandre VI, em 1501. Estes são os inícios de uma abundante legislação sobre a elaboração e circulação do livro, que durante os séculos XVI e XVII era diferente em cada um dos territórios que formavam a monarquia hispânica.
A autorização para imprimir livros variava em função de cada jurisdição. Um amplo aparato legislativo, que começou em 1544 e se perfilou em 1558, ordenava o comércio dos livros em Castela centralizando-o através do Conselho de Castela. Entregavam-se os textos originais, que se censuravam e eram comparados depois de serem impressos, para serem aprovados e permitir a impressão da portada e os preliminares, onde obrigatoriamente se reproduzia a licença real, a taxa, o nome de impressor, o do autor e o lugar da impressão. Na Coroa de Aragão, pelo contrario, eram as Reais Audiências que estavam encarregadas de conceder estas licenças, com um controlo prévio da Igreja.
É no reinado do imperador Carlos que se fizeram frequentes os privilégios de impressão. O privilégio real lê-se no pé de imprensa das portadas, indicando que a edição foi autorizada e reconhecendo que a propriedade da mesma era garantida a tal livreiro ou tal impressor. Poucas vezes se menciona como beneficiário do privilégio o autor, razão pela qual é bastante singular que Miguel de Cervantes figure como solicitante do privilégio de impressão, reconhecendo os direitos do escritor como autor da obra. Na Coroa de Aragão são as séries Diversorum dos registos da Real Chancelaria e Real Câmara do Conselho de Aragão que contêm os diferentes privilégios para a impressão e venda de livros ou folhetos soltos concedidos para qualquer cidade dos reinos e senhorios da Coroa de Aragão. Outorgados por um prazo que podia ser desde quatro meses a vinte anos, sendo mais habitual o que limitava a licença a dez anos. Como é o caso da licença real concedida a Miguel de Cervantes, a 9 de agosto de 1613 (ACA, Real Chancelaria, Registo 4894, fs. 249v-251v).
O documento de solicitude de privilégio de impressão não diferia de outros memoriais petitórios ao monarca, e por isso conservam-se conjuntamente com outras petições de licenças régias dos mais variados assuntos. A expedição da licença ou privilégio era a favor do próprio Cervantes ou da pessoa ou pessoas “que vosso poder tiverem”, proibindo expressamente que nenhuma outra pessoa ou pessoas “possam mandar imprimir e vender o dito livro” em ditos reinos da Coroa de Aragão durante aqueles dez anos, vedando também que pudera qualquer pessoa sem sua autorização vender naqueles reinos da Coroa de Aragão outros exemplares do mesmo livro impresso noutros territórios peninsulares.
Os contraventores deste privilégio incorrerão numa pena pecuniária de quinhentos florins de ouro de Aragão, “divididos em três partes a saber: uma para os nossos cofres reais, outra para Vos, o dito Miguel de Cervantes Saavedra, e outra para o acusador”. A pena aumentava se o contraventor era impressor, então a fraude era paga com a perda dos moldes e do trabalho realizado, isto é, de todos os livros impressos.
É óbvio que este privilégio queria prevenir as edições fraudulentas, no entanto não podemos deixar de pensar que estamos perante uma das testemunhas mais antigas da vontade de proteger os direitos de autor da nossa literatura.Salto de línea